quarta-feira, 4 de junho de 2008

ARTUR DA TÁVOLA

"...só quando o ser humano aceitar conviver com seu lado louco, ele começa a se aproximar da cura. Negar a loucura é tão louco quanto ela..." (amigo de Artur da Távola)
Coincidência ou não, encontrei um livro velhinho, de 1986, (TEXTOS: COMPREENSÃO, INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO) de Antônio Simplício Rosa Farias e Agostinho Dias Carneiro, ed Ao Livro Técnico S/A. Lendo os artigos que compunham o livro; li, entre tantos, Cecília Meireles, Mário de Andrade, Chico Buarque de Holanda, Ferreira Gullar e Artur da Távola. Este último (Paulo Alberto Monteiro de Barros), morto em 09/05 (recente mesmo), tão famoso pelo pseudônimo e pela atuação no cenário político e da imprensa e pelo "Quem tem medo de música clássica" da TV Senado, escreveu, nas páginas 32, 33 e 34: "Violência, TV e Criança: O começo de uma nova era. Será?"
Já há 22 anos, a violência na tv, a loucura cotidiana e a questão ecológica já eram tidos como preocupações para o futuro. Engraçado que esses mesmos assuntos continuam sendo discutidos, mas, ainda que a sociedade esteja mais consciente e mais engajada, pouca coisa mudou para melhor. Aliás, pelo contrário, a tv, embora esteja com cunho mais social, ainda é um veículo de disseminação diária da violência; hoje estamos preocupados com a escassês de comida, com o aquecimento global, bla, bla, bla, e a loucura continua. Sei que não é nenhuma novidade para os acadêmicos e para os teóricos da comunicação, tal artigo, mas achei muito interessante ter encontrado este livro no meio de tantos outros livros velhinhos. Acho super conveniente postá-lo aqui, sobretudo, pela recente morte do autor. Segue, abaixo, artigo na íntegra.
Violência, TV e Criança: O começo de uma nova era. Será?

Muita gente culpa os meios de comunicação por disseminar e incentivar, através de programas e notícias, a violência no mundo. A tevê então é a principal acusada deste malefício à sociedade.

Acontece que os meios de comunicação são considerados, por estas mesmas pessoas, como causa de alguma coisa e não reflexo e causa ao mesmo tempo, num processo interativo, como pessoalmente creio ocorrer. Quer dizer: a tevê não é a causa das coisas, das transformações, dos fatos. Não. Ele é o veículo. É meio pelo qual as coisa, as transformações e os fatos chegam aos indivíduos.

Pois bem, é neste ponto que três temas passam a ser profundamente entrelaçados e discutidos, adquiridos a maior importância em qualquer sociedade: criança – violência e televisão.

As crianças, estas aí. No Brasil, sessenta por cento da população têm menos de vinte anos de idade, o que desde logo dá a devida magnitude do problema.

A violência também está aí mesmo. Com uma diferença: ao longo da história do mundo ela sempre esteve presente. Só que lá longe. Agora, graças aos meios de comunicação são as pessoas, em suas casas, as que estão presentes a ela. As gerações anteriores, para saber das guerras, ou viam “idealizadas”, glamourizadas e heroicizadas no cinema, ou liam a respeito nos livros de história. Hoje, ninguém idealiza nada. Vê. Vê, via satélite. Não falar em proporções assustadoras, tanto no resto do mundo como aqui bem perto, em cada esquina.

Pergunto eu: será o incentivo à violência o resultado único desse processo de informação em escala mundial?

É preciso lembrar, por exemplo, que muito da campanha de opinião pública contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos deveu-se à cobertura instantânea da televisão. Nada é estático. O que divulga também provoca resistência. Hoje as pessoas deixaram de ter a violência como algo sempre distante, algo que “só acontece com os outros”. Logo, repudiar a violência é tarefa comum.

Não é verdade, igualmente, que os meios de comunicação só disseminem a violência. Quem acompanha de boa-fé, assiste ao alerta diário destes meios contra todas as formas de violência e as ameaças de destruição tanto da terra quando da espécie, no caso de persistirem as ameaças nucleares e as afrontas ecológicas.

Ninguém agüenta tensões prolongadas. A humanidade está podendo se ver a cada dia. Está podendo julgar e avaliar a que levam os seus desvarios. Está se conhecendo em seus máximos e em seus mínimos, em suas grandezas e em suas patologias, como nunca antes da televisão fora possível. Está secretando os anticorpos à violência e as atitudes necessárias a sua sobrevivência. Está consciente de que a ameaça é conjuntural. De que ou o homem se entende e redescobre o Direito estabelecendo seu primado, ou se aniquila: no macro do mundo no micro de cada comunidade.

E as crianças? Elas estão assistindo a tudo isso. Elas, por definição, são mais saudáveis, mais instintivas, mais purificadas. Ninguém vai lhes contar histórias sobre guerras: elas as acompanham. Sobre os atentados brutais: elas os vêem. E no segredo de sua psique, ainda plena dos instintos vitais, seguramente elaboram os mecanismos de defesa necessários à preservação da vida.

É analisando estes assuntos que me recordo de uma tese, estranha, mas séria e digna de reflexão, de um amigo meu, médico, homem de idade, sabedoria de ciência. Diz ele que nunca como hoje a humanidade pôde conviver tão de perto da loucura. Ela entra diariamente através dos noticiários, dos fatos e das imagens, enfim, da comunicação moderna. E acrescenta: só quando o ser humano aceitar conviver com seu lado louco ele começa a se aproximar da cura. Negar a loucura é tão louco quanto ela. Aceitá-la como dado desse eterno conflito em superação no caminho absoluto que é o homem, significa poder entrar em relação com a doença e só assim tratá-la, superá-la, dimensioná-la, aproveitar o fluxo de sua energia desordenada para a tarefa de reconstrução humana.

Desnecessário dizer que ele é psiquiatra. Como necessário é concluir o artigo dizendo: concordando ou não, sua tese merece reflexão. E perguntando com pavor: será mesmo necessário pagar um preço existencial tão alto para se ter esperança que ela venha com as crianças deste país que sei (por intuição) serão os pontais de uma civilização espiritualizada que há de emergir (já está começando) das cinzas da violência, se possível antes da generalização desta como única forma de resolver os conflitos e as diferenças entre os homens. Eros e Tanatos, sempre. Mas o amor é maior que o ódio.

(O autor ARTUR DA TÁVOLA é cronista especializado em televisão, ainda que seu temas não fiquem restritos a ela. Publicou uma séria de livros, abordando temas de discussão atual. - extraído do livro TEXTOS: Compreensão, Interpretação e Produção - ed. Ao Livro Técnico S/A. 1986.)

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